08 março 2008

Quanto custa educar direito?

Um novo estudo diz que o Brasil tem de investir mais 1% do PIB para ter boas escolas



No início do ano, dados do Sistema Nacional de Avaliação (Saeb) revelaram que os estudantes brasileiros em todas as séries tiveram o pior desempenho nos últimos dez anos. Em Matemática, os alunos de 4ª série tiraram nota 182 numa escala de 0 a 500. Isso significa dificuldades nas operações de somar, subtrair, dividir e multiplicar. Em Português, os alunos da 8ª série tiveram média de 232 pontos. O mínimo aceitável seria 300. São resultados alarmantes num mundo de competição globalizada, onde o domínio de conhecimento e a oferta de trabalhadores capacitados determinam o sucesso - ou o fracasso - das nações. Como mudar isso?

O levantamento mais abrangente do que seria preciso para a educação brasileira ter um mínimo de qualidade será apresentado na semana que vem. O estudo, chamado Custo Aluno Qualidade Inicial (Caqi), foi feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, um grupo que reúne 200 das principais entidades e fundações ligadas à educação. A campanha hoje faz um dos maiores movimentos pelo ensino público do Brasil. O Caqi será lançado na quarta-feira 25, na Semana de Ação Mundial pela Educação, evento que discute os rumos do ensino público em cem países da Europa, Ásia, África e América. No Brasil, mais de 20 ONGs e associações e pelo menos 500 escolas públicas vão discutir o documento. Na mesma semana, a campanha deve levar o estudo à Câmara dos Deputados e ao Ministério da Educação. "Queremos que ele seja levado em conta para aumentar o repasse do governo federal para as escolas e mudar os fatores de distribuição do dinheiro", afirma Daniel Cara, coordenador da campanha.

Segundo o estudo, o Brasil precisaria gastar um total de R$ 93 bilhões na educação básica, da creche ao ensino médio. É o equivalente a 4,3% do PIB. Hoje, o país gasta R$ 72 bilhões, ou 3,3% do PIB. O estudo chega em um momento oportuno. Nas próximas semanas, o ministro da Educação, Fernando Haddad, deve anunciar um pacote de incentivos para a área, o Plano de Desenvolvimento da Educação. Ele incluiria auxílio financeiro e orientação para resgatar os municípios de pior desempenho do país. Mas é apenas uma medida de emergência.

O plano proposto pela campanha tem outra ambição. A premissa do estudo é inverter a lógica de como se calcula o orçamento para a educação. Hoje, o governo federal faz o cálculo a partir do montante disponível para a área. Esse dinheiro vem dos Estados e municípios, que repassam um porcentual fixo de sua arrecadação. A partir daí, o governo divide o que foi arrecadado pelo número de alunos matriculados. O resultado é o investimento mínimo que cada Estado ou município deve fazer por aluno. O Caqi faz uma conta inversa. Ele parte da necessidade dos alunos para calcular o mínimo que precisa ser investido. A creche é um exemplo de como essas contas dão resultados díspares. Enquanto o mínimo estabelecido pelo governo neste ano é de R$ 757 por criança, o Caqi calcula que seria preciso investir R$ 4.139. "Para algumas unidades, o dinheiro só dá para a comida", afirma o pedagogo Vital Didonet, ex-presidente da Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar.

Durante três anos, uma equipe de pesquisadores fez levantamentos nas escolas e calculou o que seria necessário para oferecer uma escola de qualidade para 56 milhões de estudantes no país. Avaliou, para cada faixa etária, investimentos em reforma de escolas, compra de material, formação de professores e plano de salários. Calculou, por exemplo, quantas salas de aula cada unidade escolar deve ter, estabeleceu a lotação máxima de cada uma delas por ciclo e calculou a verba de manutenção. No repasse para alunos de 1ª à 4ª série de uma escola-modelo, os pesquisadores estimam que seria preciso gastar R$ 40 mil por ano em projetos pedagógicos. O suficiente para o professor de Biologia montar e manter uma horta, o de Física comprar um telescópio e o de História levar os alunos para conhecer os museus da cidade. "Essa não é a escola ideal, é a estrutura mínima", diz o educador José Marcelino de Rezende Pinto, especialista em financiamento da educação pela Universidade Stanford e um dos autores do Caqi.

O investimento adicional em educação previsto pelo Caqi não é desprezível. A diferença, de R$ 21 bilhões, é equivalente ao que o governo investe no ensino superior. Também equivale ao superávit primário economizado nos dois primeiros meses do ano para pagar a dívida pública. "É caro, mas não investir também tem preço alto", afirma o educador Romualdo Portela, da Universidade de São Paulo. Ele diz que a educação só vai melhorar de qualidade quando os governos resolverem tirar de outras áreas. Na década de 60, a Coréia do Sul tinha um cenário parecido com o do Brasil, com problemas de alfabetização, baixa taxa de conclusão do ensino médio e pouco acesso ao ensino superior. "Eles só deram a virada quando resolveram enxugar recursos de diversas áreas para, durante duas décadas, investir 10% do PIB na educação", diz.

É uma questão de prioridade. "O Brasil está acordando para o déficit da educação básica", diz Célio Cunha, da Unesco, organização da ONU para Educação e Cultura. "Ela ainda não é uma prioridade, mas, à medida que o país - não só o governo, mas a sociedade civil - começa a reconhecer a importância da educação básica, há esperança de que o tratamento dado à educação comece a mudar."

Fonte: Revista Época

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